Só não se perca ao entrar no meu infinito particular...

Só não se perca ao entrar no meu infinito particular...

sábado, 21 de junho de 2008

Clarice Lispector


saber será talvez o assassinato de minha alma humana. E não quero, não quero. O que ainda poderia me salvar seria uma entrega à nova ignorância, isso seria possível. Pois ao mesmo tempo que luto por saber, a minha nova ignorância, que é o esquecimento, tornou-se sagrada. Sou a vestal de um segredo que não sei mais qual foi. E sirvo ao perigo esquecido. Soube o que não pude entender, minha boca ficou selada, e só me restaram os fragmentos incompreensíveis de um ritual. Embora pela primeira vez eu sinta que meu esquecimento esteja enfim ao nível do mundo. Ah, e nem ao menos quero que me seja explicado aquilo que para ser explicado teria que sair de si mesmo. Não quero que seja explicado o que novo precisaria da validação humana para ser interpretado.

Vida e morte foram minhas, e eu fui monstruosa. Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E sobretudo a de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo.

Até que por horas desisti. E, por Deus, tive o que eu não gostaria. Não foi ao longo de um vale fluvial que andei - eu sempre pensara que encontrar seria fértil e úmido como vales fluviais. Não contava que fosse esse grande desencontro.

Para que continue eu humana meu sacrifício será o de esquecer? Agora saberei reconhecer na face comum de algumas pessoas que - que elas esqueceram. E nem sabem mais que esqueceram o que esqueceram.

Eu vi. Sei que vi porque não dei ao que vi o meu sentido. Sei que vi - porque não entendo. Sei que vi - porque pra nada serve o que vi. Escuta, vou ter que falar porque não sei o que fazer de ter vivido. Pior ainda: não quero o que vi. O que arrebenta a minha vida diária. Desculpa eu te dar isto, eu bem queria ter visto coisa melhor.Toma o que vi, livra-me de minha inútil visão, e de meu pecado inútil.

Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão.